Páginas

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. (João 1,1)

Sidney Frattini
sidney.frattini@gmail.com

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A Videira Verdadeira



Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. (João 15, 1)

Muito tempo atrás, quando eu era ainda menino, ouvia dizer que devíamos amar a Deus sobre todas as coisas. Eu simplesmente não entendia como se podia amar um Ser que a gente absolutamente não via mais do que a nossos próprios pais, para mim símbolo do amor maior. Como?

Eu refleti muito sobre isso e, na minha imaturidade de menino, então desenhou-se na minha cabeça um ingênuo projeto. No fundo de nosso quintal, havia uma velha parreira de uva. Minha mente infantil pensou em fazer, de um pedaço da madeira de seu caule ou ramo, que era um tanto fino, um objeto qualquer: um brinquedo, um carrinho ou qualquer coisa, e eu reconheceria nessa possibilidade a grandeza da obra divina. Isso seria a porta para construir em mim um reconhecimento a Deus, o pórtico de entrada do verdadeiro amor.

Aquela parreira já não existe mais. Minha memória e meu encantamento da busca de um amor que eu não sabia ter, sim, existem ainda, estou relatando.Um poema de Rabindranath Tagore, poeta, filósofo e teatrólogo indiano, falando sobre o propósito das coisas, nos diz:

"Meu filho, quando eu te trago brinquedos coloridos, então, compreendo porque há tal jogo de cores nas nuvens e na água, e porque as flores têm tantas cores – quando eu te dou brinquedos coloridos, meu filho. Quando eu canto para te fazer dançar, fico então sabendo porque há música nas folhas, e porque as ondas enviam o seu coro de vozes até o atento coração da terra – quando eu canto para te fazer dançar".

Hoje, sei que Deus faz brinquedos coloridos apenas para que os possamos dar a um amado filho e assim, talvez, reconheçamos que a felicidade de uma família, o grande projeto, vem dEle, e de ninguém mais.

Mas o tempo passou. E um dia, finalmente, ocorreu para mim o verdadeiro encontro com a Palavra de Deus.

No Evangelho de João, capítulo 15, versículo 1, Jesus se compara a uma videira e diz aos discípulos:

Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor.

No versículo 5, proclama:

Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e Eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem Mim nada podeis fazer.

Por uma incrível “coincidência”, esse trecho reúne os elementos: videira, ramos, Deus, Pai, Filho, aprender, amar, fruto. Todos presentes num projeto infantil de busca.

Entendo agora que Jesus sempre foi aquela videira do passado, e continua a ser do nosso presente e futuro, através da qual realmente podemos aprender e compreender o verdadeiro sentido do Amor.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A Urgência de Viver

Pois assim diz o SENHOR à casa de Israel: Buscai-me e vivei. (Amós 5, 4)

Há anos guardo um texto que me comove, escrito pelo admirável rabino Henry Sobel, num pronunciamento sobre a passagem do Yom Kipur - Dia do Perdão - que antecede a entrada do Ano-Novo judaico - em 1998. Leia e reflita sobre o que ele diz. Talvez cheguemos à conclusão de que também não estamos dando atenção à urgência de viver. Diz assim o texto de Sobel:

Todos os anos, nesta hora de Neilá, eu observo os seus rostos e vejo algo indefinível em suas expressões. Sei lá, um misto de tristeza... não sei se "tristeza" é a palavra certa, talvez "apreensão". Antigamente, eu não entendia o porquê. Hoje, um pouco mais velho, um pouco mais maduro, um pouco mais vivido, um pouco mais sensível, acho que consigo compreender.

A matemática da vida não é simples. Cada soma é também uma subtração. Quando somamos mais um Yom Kipur àqueles que já vivemos, subtraímos um Yom Kipur daqueles que nos restam viver. Então, a felicidade de estarmos aqui hoje à noite vem acompanhada da melancólica percepção de que o tempo voa e a vida passa. Nesta hora de Neilá, talvez mais do que em qualquer outra, sentimos a urgência de viver.

Teddy Kollek, o dinâmico prefeito de Jerusalém, propõe em sua autobiografia um décimo primeiro mandamento: "Não serás paciente". À primeira vista, tal conselho parece ir contra uma das qualidades mais valorizadas pela humanidade - a paciência é uma virtude! No entanto, ao refletirmos sobre as palavras de Kollek, percebemos que elas contêm uma grande sabedoria. A impaciência é necessária para remediar nossa tendência tão humana de protelar. Pois a verdade é que, em muitas áreas vitais da nossa existência, somos pacientes demais. Esperamos demais para fazer o que precisa ser feito, nem mundo que só nos dá um dia de cada vez, sem nenhuma garantia do amanhã. Enquanto lamentamos que a vida é curta, agimos como se tivéssemos à nossa disposição um estoque inesgotável de tempo.

Esperamos demais para dizer as palavras de perdão que devem ser ditas, para pôr de lado os rancores que devem ser expulsos, para expressar gratidão, para dar ânimo, ara oferecer consolo.

Esperamos demais para ser generosos, deixando que a demora diminua a alegria de dar espontaneamente. Esperamos demais para ser pais de nossos filhos pequenos, esquecendo quão curto é o tempo em que eles são pequenos, quão depressa a vida os faz crescer e ir embora.

Esperamos demais para dar carinho aos nosso pais, irmãos e amigos. Quem sabe quão logo será tarde demais?

Esperamos demais para ler os livros, ouvir as músicas ver os quadros que estão esperando para alargar nossa mente, enriquecer nosso espírito e expandir nossa alma.

Esperamos demais para enunciar as preces que estão esperando para atravessar nossos lábios, para executar as tarefas que estão esperando para serem cumpridas, para demonstrar o amor que talvez não seja mais necessário amanhã.

Esperamos demais nos bastidores, quando a vida tem um papel para desempenharmos no palco. Deus também está esperando - esperando nós pararmos de esperar. Esperando nós começarmos a fazer agora tudo aquilo para o qual este dia e esta vida nos foram dados.